Ao discursar na abertura da Assembleia-Geral da ONU, em setembro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro apresentou ao mundo a youtuber indígena Ysani Kalapalo.
Por João Fellet – @joaofellet – BBC Brasil
Ysani, segundo Bolsonaro, falava por “muitos índios brasileiros” e merecia ter mais visibilidade que o cacique Raoni Metuktire, crítico das políticas do governo para a Amazônia a quem o presidente acusou de servir a interesses estrangeiros.
Passados nove meses desde aquela viagem, como Ysani avalia o desempenho do presidente?
“Estou decepcionada”, diz a ativista de 29 anos – posição que, segundo ela, é compartilhada pela maioria dos indígenas que apoiaram a candidatura de Bolsonaro.
“Está faltando diálogo com as minorias. Eu tinha muita expectativa de que o governo dele seria diferente, mas, depois de esperar e esperar, isso não está acontecendo”
Em entrevista à BBC News Brasil, Ysani faz outras críticas à gestão. Segundo ela, cargos no governo têm sido ocupados com base em relações pessoais e de amizade, e não por competência técnica, e as autoridades não se mostram abertas a sugestões.
No início do ano, Ysani trocou farpas no Twitter com o presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Marcelo Xavier. Criticado publicamente pela youtuber, Xavier disse que a processaria.
A BBC News Brasil enviou à Funai e ao Palácio do Planalto as críticas feitas pela indígena na entrevista, mas não obteve respostas.
Integrante do povo Kalapalo, da Terra Indígena do Xingu, Ysani se mudou para São Paulo aos 12 anos para fazer um tratamento médico. Desde então, faz visitas periódicas à aldeia natal, Tehuhungu, que hoje tem como cacique seu irmão.
Ela se tornou conhecida por um canal no YouTube no qual se define como uma “indígena do século 21” e aborda temas como cultura e sexo, contrastando suas vivências na cidade e na aldeia.
Nos últimos anos, suas críticas à política indigenista de governos anteriores – que, segundo ela, buscavam manter os indígenas dependentes de doações e os impediam de se desenvolver economicamente – chamaram a atenção de ativistas de direita.
A aproximação com Bolsonaro, no entanto, a tornou alvo de duras críticas de organizações indígenas e de moradores de aldeias vizinhas à sua comunidade – o que, segundo ela, teria resultado até em “atos de feitiçaria” contra sua família.
Na entrevista, Ysani conta ainda que passou uma semana hospedada no Palácio da Alvorada após a viagem a Nova York a convite da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Hoje, diz considerar que Bolsonaro é uma boa pessoa, mas deixa a desejar como político. “Ele tinha que ser mais aberto, saber dialogar com todos os movimentos, em vez de só atacar.”
Confira os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil – Qual sua avaliação do governo Jair Bolsonaro?
Ysani Kalapalo – Estou decepcionada. Está faltando diálogo com as minorias. Eu tinha muita expectativa de que o governo dele seria diferente, mas, depois de esperar e esperar, isso não está acontecendo.
Achei que o índio seria mais ouvido – indígenas que, como eu, têm esse pensamento mais do século 21, os indígenas que querem empreender, produzir.
Achei que nós teríamos mais espaço e que ele (Bolsonaro) colocaria pessoas técnicas e não amigas em certos cargos, como na Funai e na Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena).
BBC News Brasil – Sua queixa sobre falta de diálogo se aplica só à Funai ou ao governo como um todo?
Ysani – Ao governo como um todo. Quem assume um cargo no governo deveria ter experiência e conhecimento técnico. E está faltando isso.
Nosso governo está priorizando as pessoas que são próximas, pessoas amigas, em vez de colocar pessoas que entendam do assunto.
Isso está fazendo com que qualquer um que faça uma sugestão de fora, qualquer cidadão, seja chamado de traidor ou qualquer outra coisa. Isso tem me incomodado pra caramba.
BBC News Brasil – Você trocou farpas no Twitter com o presidente da Funai. O que ocorreu?
Ysani – Eu estava o criticando porque houve uma invasão de terra no Mato Grosso do Sul, com tiroteio por parte dos fazendeiros e dos índios, e a Funai não tinha dado uma resposta.
Fiz um post dizendo que o presidente da Funai tinha de fazer alguma coisa por aqueles indígenas. Ele respondeu que estava de férias e não podia fazer nada. Foi arrogante.
Também sugeri muita coisa para ele no campo da agricultura e do empreendedorismo. Acho que ele não gostou e disse que ia me processar.
Ameaçou processar também o Ubiratã (Maia), um advogado indígena. Inclusive o Ubiratã foi o responsável por criar o grupo “Indígenas por Bolsonaro” durante a campanha.
Eu esperava alguma consideração por todos os indígenas que deram o sangue e apanharam muito vitualmente por apoiá-lo na campanha, mas faltou isso.
BBC News Brasil- Por que acha que o presidente da Funai tem agido dessa maneira?
Ysani – Tem pessoas que não aceitam conselhos e se acham os donos da verdade. Acho que é o caso dele. É arrogância e prepotência.
BBC News Brasil – Servidores da Funai dizem que o órgão está sucateado, que faltam funcionários e a entidade perdeu capacidade de agir. Dizem que falta gente nas bases e às vezes nem os carros funcionam. O que você acha?
Ysani – O que a Funai precisa é de estratégia para lidar com os indígenas. Precisa colocar pessoas competentes para botar a Funai para funcionar. Hoje, a Funai é só uma sigla, está realmente sucateada.
O presidente da Funai tem colocado militares na Funai, mas muito militar não conhece a questão indígena. Está uma bagunça.
BBC News Brasil – Você mantém algum tipo de diálogo com ministros ou membros do governo?
Ysani – Hoje, eu não tenho essa troca. Eu tenho o WhatsApp de alguns ministros, mas mando sugestões e não vejo resultados. Tenho contato com a (ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos) Damares (Alves), uma pessoa que admiro muito.
Tenho o WhatsApp da Teresa Cristina. Vejo que ela é uma das ministras que estão se destacando na questão agrícola, mas ela deveria fazer mais pelas minorias também, deveria abrir uma porta para aqueles que querem plantar.
Deveria haver mais projetos voltados a quem não tem poder aquisitivo para adquirir ferramentas para a produção.
Fonte: BBC Brasil.
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